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Rimbaud, o Viajante e o Seu Inferno

Ana Cristina Silva

2020 Editora Exclamação

Sinopse

Rimbaud, o viajante e o seu inferno é um romance biográfico sobre a vida do famoso poeta. Profundamente poética, a narrativa é estruturada num registo polifónico, na medida em que a sua história de vida é descrita na primeira pessoa por Arthur Rimbaud e pelas várias personagens da sua vida, nomeadamente a mãe, Madame Rimbaud, Paul Verlaine, a mulher de Verlaine e Isabelle Rimbaud, a irmã do poeta.

As manifestações precoces de Arthur Rimbaud na produção poética manifestam-se num contexto familiar conflituoso, em constantes confrontos com a mãe. As suas fugas de Charleville, a tentativa de singrar nos meios literários em Paris, a sua ligação a Paul Verlaine definem-se, ainda e sempre, por oposição à mãe. O fim quase trágico da relação com Verlaine e a indiferença de Paris em relação ao seu talento, conduzem-no aos desertos da Abissínia, onde acabará por conhecer o amor, mas também sofrerá um acidente que precipitará a sua morte com 37 anos.

Extras

 

XIX

Arthur aguardava com os olhos postos no horizonte o que estava para vir. Avançava por locais onde só havia luz e vento desde há séculos, buscava sítios que estivessem mais perto do céu e onde o sol queimasse ainda mais. Era como se já tivesse andado por ali antigamente, perseguindo uma sensação de felicidade. O seu destino era uma estrada sem limites. Percorria o mundo com a mesma sofreguidão com que um homem sequioso bebe água. No fundo gostaria de acreditar que se atravessasse todos os desertos tornar-se-ia impossível ninguém o amar. Naturalmente, não sabia que  desejava palmilhar a  região da infância e que, por isso, os seus pés à solta no mundo só poderiam levá-lo pela via da solidão.  

Madame Rimbaud.

Recebi hoje uma carta de Arthur. Encontra-se em Aden. Escreveu: “Não podem nem imaginar que lugar é este. Não existe nem uma árvore, nem mesmo seca, nenhum ramo de planta, nenhuma água doce. Bebemos apenas água destilada do mar. Aden é uma cratera de vulcão, cercada de muralhas que impedem a circulação do ar. Ardemos no fundo deste buraco como num forno de cal.” Quando li estas palavras, imaginei a intensidade do crepúsculo nessas terras do deserto e a ideia de nunca mais ver o meu filho fez-me estremecer. Os vidros da janela tremeram com as minhas lágrimas e a chuva redobrou a sua fúria.   

Há quatro meses que não recebia uma carta dele. Só com esta missiva soube que partira de Chipre, onde fora capataz nas obras do palácio do Governador, e que  percorrera vários portos do mar Vermelho à procura de trabalho. Encontrou finalmente um lugar de escriturário em Aden, na firma  Viannay,  Barley & Cia.

Ontem sonhei que Arthur estava no meio de selvagens, ouvia-se um som de danças e tambores. De repente, eu surgia de joelhos no meio de um campo de violetas em Roche, o local onde Arthur fora enterrado. Acordei muito perturbada. Em vez de nomear os países que ele percorrera, pronunciava na minha cabeça os nomes das doenças que o meu filho poderia apanhar. Da última vez que esteve em  Charleville, quase há seis meses, chegou  pele e osso, com tifo. Recuperou, mas ainda partiu muito magro. O meu maior receio é que adoeça sem que ninguém cuide dele. Esse tipo de desamparo é o pior de todos. 

 Ajoelhei-me ao lado da cama e rezei um terço. É bem possível que o meu filho esteja no limiar de fazer grandes coisas. Na sua carta só fala em ganhar dinheiro, mas as minhas preces ao Senhor são súplicas para preservar-lhe a vida, não peço outra riqueza.

Muitas vezes me perguntei onde errei. Terei sido pouco severa ou demasiado? Tentei moldá-lo, fazer dele um homem. Talvez as minhas palavras fossem pesadas demais ou pesadas em si mesmas. Ele nunca compreendeu as minhas preocupações, só viu nelas desprezo. Com o tempo, as minhas censuras soavam a um permanente pigarrear que ele deixou de ouvir. Eu própria fui desistindo, como se a minha voz já só alcançasse o silêncio. Agora só quero que ele regresse a casa vivo e de boa saúde.   

 Gostaria de arranjar maneira de quebrar o encanto das viagens que parecem despertar nele paixões nunca aplacadas. Não existe repouso para Arthur. Nem à sombra das trémulas folhas de uma árvore, nem em outro tranquilo recanto onde se possa abrigar do sol, não parece existir um local no mundo onde simplesmente se possa sentar para descansar.

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